10 Dec
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1. Por que esse tema é tão importante para famílias de crianças autistas

Famílias de crianças autistas convivem com uma soma de custos muito alta, mensalidade escolar, terapias, transporte, materiais, laudos médicos, muitas vezes tudo isso com apenas uma renda fixa em casa.

Quando chega a declaração do Imposto de Renda, é comum descobrir que as despesas com educação têm um limite pequeno de dedução, o que frustra muitos pais, especialmente de crianças com Transtorno do Espectro Autista, TEA.

A Turma Nacional de Uniformização, TNU, ao julgar recentemente questão envolvendo a instrução de pessoas com deficiência, trouxe uma virada de chave, reconheceu que os gastos com instrução de pessoa com deficiência podem ser deduzidos integralmente como despesa médica, mesmo em escola regular inclusiva, desde que preenchidos alguns requisitos.

2. O que foi decidido sobre instrução de pessoa com deficiência

Em resumo, o entendimento da Turma Nacional de Uniformização, TNU, no Tema 324, foi o de que:

São integralmente dedutíveis da base de cálculo do Imposto de Renda, como despesa médica, os gastos relativos à instrução de pessoa com deficiência física, mental ou cognitiva, mesmo que esteja matriculada em instituição de ensino regular.

Isso significa que, para a pessoa com deficiência, a escola regular inclusiva não é vista apenas como “ensino”, mas como parte do tratamento, por envolver:

  • estimulação cognitiva,
  • socialização,
  • desenvolvimento de habilidades,
  • fortalecimento da autonomia,

tudo intimamente ligado à saúde e à reabilitação daquela criança ou adolescente.

Na prática, esses gastos passam a poder ser tratados como despesa médica, que não tem limite de dedução, ao contrário das despesas com educação, que são limitadas por um teto anual por dependente.

3. Vale para escola regular, e também para o “jardim” e educação infantil?

Sim, a discussão não se limita apenas ao ensino fundamental.

A legislação do Imposto de Renda, quando fala em despesas com instrução, abrange a educação básica como um todo, incluindo:

  • educação infantil, creche e pré-escola,
  • ensino fundamental,
  • ensino médio,
  • educação superior e profissional.

O que o entendimento da TNU faz é dizer que, quando se trata de pessoa com deficiência, esses gastos com instrução, em vez de entrarem como “educação com limite”, podem ser enquadrados como despesa médica dedutível integralmente, porque possuem caráter terapêutico.

Então, se a criança autista está no chamado “jardim”, na educação infantil, em uma escola ou creche reconhecida como instituição de ensino, com proposta pedagógica regular e adaptações para inclusão, o entendimento que vem sendo construído é de que essas despesas também podem ser alcançadas, não apenas a partir da primeira série do ensino fundamental.

4. Base legal, Constituição, RIR/2018 e educação inclusiva

Alguns pontos jurídicos importantes que sustentam essa interpretação:

  • A Constituição Federal de 1988, no artigo 208, inciso III, prevê que o atendimento educacional especializado deve ocorrer preferencialmente na rede regular de ensino, o que prestigia a educação inclusiva.
  • O Decreto 9.580/2018, RIR/2018, ao tratar das deduções, admite a possibilidade de considerar como despesa médica os pagamentos relativos à instrução de pessoa com deficiência, desde que observados requisitos como laudo médico e a natureza da instituição.
  • A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, reforça o direito à educação inclusiva e à acessibilidade, o que dialoga com a interpretação de que a escola regular adaptada integra o projeto terapêutico e de vida da pessoa com deficiência.

Somando tudo isso à tese da TNU, o caminho fica mais sólido para defender que a mensalidade da escola regular da criança autista pode, sim, ser lançada como despesa médica dedutível integralmente.

5. Quem pode utilizar essa dedução

De forma geral, podem buscar esse direito:

  • pais, mães ou responsáveis legais que declarem o filho autista como dependente no IRPF,
  • contribuintes que tenham filho, filha ou outro dependente com deficiência física, mental ou cognitiva, não apenas TEA,
  • pessoas que arcam com as despesas escolares do dependente com deficiência e fazem declaração no modelo completo.

É essencial que haja:

  • diagnóstico formal de deficiência, por exemplo, laudo médico com CID do TEA,
  • vínculo de dependência reconhecido pela Receita Federal ou judicialmente, quando necessário.

6. Quais despesas podem ser incluídas

A partir da interpretação da TNU e da leitura da jurisprudência, em regra, podem ser abarcados:

  • mensalidades escolares da criança ou adolescente com deficiência, em escola regular inclusiva,
  • matrícula e taxas obrigatórias diretamente ligadas à instrução,
  • valores pagos à escola por apoio pedagógico especializado, quando contratado dentro da instituição,
  • eventualmente, outros serviços oferecidos pela própria escola que façam parte da proposta inclusiva e do projeto pedagógico voltado à deficiência, por exemplo, professor auxiliar exclusivo, atendimento pedagógico especializado, adaptações específicas.

Cada caso concreto precisa ser analisado, porque nem todo pagamento feito à escola será automaticamente reconhecido como despesa médica, mas a jurisprudência vem caminhando para enxergar a educação inclusiva como parte do tratamento da pessoa com deficiência.

7. Documentos necessários para comprovar o direito

Na prática, é muito importante organizar uma pastinha de comprovação. Em geral, serão necessários:

  • Laudo médico atualizado, indicando a deficiência, por exemplo, TEA e o CID correspondente,
  • Recibos ou notas fiscais da escola, em nome do responsável ou do próprio dependente, com:
    • razão social e CNPJ da instituição,
    • identificação do aluno,
    • descrição clara da despesa, mensalidade, matrícula, serviços inclusivos,
    • valores e datas de pagamento,
  • Comprovantes de pagamento, boletos quitados, transferências, PIX,
  • Quando houver, relatórios pedagógicos ou terapêuticos emitidos pela escola, mostrando as adaptações, apoio individualizado, professor auxiliar, etc.

Esses documentos são importantes tanto para justificar a dedução na declaração quanto para eventual defesa em malha fina ou em ação judicial.

8. A Receita Federal já aceita? E o risco de malha fina?

Embora o entendimento da TNU tenha uniformizado a questão no âmbito dos Juizados Especiais Federais, a Receita Federal ainda costuma ser restritiva, muitas vezes aceitando apenas instituições “especiais” como despesas médicas.

Na prática, isso significa que:

  • é possível que a declaração caia em malha fina quando o contribuinte lança a mensalidade da escola regular como despesa médica,
  • o contribuinte terá que apresentar documentação e fundamentação, inclusive citando o precedente da TNU,
  • em muitos casos, o caminho mais seguro é ingressar com ação judicial para reconhecer o direito, especialmente quando a Receita insiste em glosar a dedução.

9. Posso revisar declarações de anos anteriores?

Outro ponto importante, a partir desse entendimento é possível revisar declarações dos últimos cinco anos, para:

  • converter despesas que foram lançadas como “educação” com teto em “despesas médicas” dedutíveis integralmente,
  • pedir restituição de valores pagos a maior, em razão da dedução limitada,
  • ajustar a forma de declaração a partir do reconhecimento judicial.

Essa revisão, muitas vezes, precisa ser feita com estratégia, avaliando se é melhor tentar administrativamente, via retificação e eventual defesa em malha fina, ou já buscar diretamente a via judicial.

10. Conclusão: educação inclusiva é direito, e o fisco precisa acompanhar essa realidade

O entendimento firmado pela TNU é um marco para famílias de crianças e adolescentes autistas e de outras pessoas com deficiência. Ele reconhece que a educação inclusiva, na escola regular, faz parte do tratamento, da reabilitação e da construção de autonomia, portanto, tem natureza de despesa médica para fins de Imposto de Renda.

Isso vale não apenas a partir do primeiro ano do ensino fundamental, mas também para a educação infantil, creche e pré-escola, desde que a criança esteja devidamente diagnosticada e haja comprovação de que aquela instrução está inserida no contexto da deficiência.

Se você tem filho ou filha autista em escola regular e arca com mensalidades e outros custos escolares, é importante analisar com cuidado se é possível:

  • utilizar a dedução integral como despesa médica,
  • revisar declarações dos últimos cinco anos,
  • organizar a documentação correta para evitar problemas com a Receita Federal,
  • recorrer ao Judiciário quando necessário.

Se ficou com dúvidas ou deseja avaliar o seu caso específico, é possível buscar orientação jurídica especializada para verificar se você tem direito à dedução integral e à restituição de valores pagos a mais no Imposto de Renda.

Mãe atípica na defesa dos autistas.

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