Planejamento sucessório para famílias de pessoas autistas, proteção patrimonial e cuidados futuros.
Você já se pegou pensando, muitas vezes em silêncio, quem vai cuidar do meu filho autista quando eu não estiver mais aqui?
Essa é uma das maiores angústias das famílias atípicas. Ao mesmo tempo, falar sobre morte, herança e dinheiro é desconfortável, então o assunto vai sendo empurrado com a barriga, até que às vezes fica tarde demais.
O planejamento sucessório vem justamente para isso, para organizar a vida da família, proteger a pessoa autista e evitar que o patrimônio construído com tanto esforço se perca ou gere conflitos.
E não, planejamento sucessório não é coisa só de gente rica, é assunto de cuidado, responsabilidade e proteção.
Neste artigo, eu vou explicar, em linguagem simples, como pensar o planejamento sucessório em famílias com pessoas autistas, olhando para três pontos principais:
1. Quem vai cuidar da pessoa autista?
2. De onde virá o dinheiro para esse cuidado?
3. Quais instrumentos jurídicos podem ajudar nessa organização?
Sempre com atenção também aos direitos assistenciais, previdenciários e de saúde.
Como garantir o futuro do meu filho autista?
Essa é a pergunta que mais dói no coração de muitas mães e pais atípicos. Quem vai cuidar do meu filho autista quando eu não estiver mais aqui? Como garantir que ele tenha casa, cuidado, tratamento e proteção? É justamente para responder a essas questões que existe o planejamento sucessório, um conjunto de medidas jurídicas e patrimoniais que organizam o futuro da pessoa autista e da família, pensando em cuidado, segurança financeira e proteção de direitos.
Todas as famílias deveriam planejar o futuro, mas no caso de famílias com pessoas autistas, a urgência é ainda maior.
Em muitos casos, o filho autista:
- depende de um nível maior de apoio na vida adulta
- precisa de continuidade em terapias, acompanhamento médico e rotina estruturada
- tem mais dificuldades para inserção no mercado de trabalho
- pode depender de benefícios como BPC/LOAS, pensão, plano de saúde ou acompanhamento pelo SUS
Se nada for planejado, quando os pais falecerem:
- os bens serão divididos conforme a lei, sem olhar para as necessidades específicas daquele filho autista
- irmãos podem discordar, brigar ou vender um imóvel que era importante para a estabilidade dele
- benefícios assistenciais podem ser perdidos sem qualquer preparo prévio
- ninguém sabe exatamente quem vai assumir a rotina de cuidados
Planejar não é chamar desgraça, planejar é dizer: “eu não sei quando vou partir, mas sei que deixei caminhos organizados para proteger o meu filho”.
1. Quem vai cuidar da vida da pessoa autista, para além da herança
Quando falamos em planejamento sucessório, muita gente pensa só em bens, mas a primeira pergunta deveria ser: quem vai cuidar da vida do meu filho autista?
Aqui entram temas como:
- capacidade jurídica da pessoa autista
- níveis de suporte
- necessidade ou não de curatela ou tomada de decisão apoiada
A legislação brasileira reconhece a pessoa com deficiência como sujeito de direitos, com capacidade civil em igualdade com as demais pessoas, nos termos da Lei n. 13.146/2015, Estatuto da Pessoa com Deficiência. Isso vale também para pessoas autistas. Cada caso deve ser avaliado individualmente, conforme o grau de autonomia e as necessidades de apoio.
No planejamento sucessório, os pais podem:
- indicar em testamento quem gostariam que fosse o curador ou responsável principal.
Não é garantia absoluta de que o juiz seguirá, mas é um forte indicativo da vontade da família e costuma ter grande peso.
- pensar em mais de uma pessoa de referência.
Uma pessoa pode ficar mais responsável pela parte jurídica e financeira, outra pela rotina de cuidados e convivência diária.
- registrar uma “carta de intenções” ou “carta de desejos”.
Não substitui o testamento ou a sentença de curatela, mas é um documento em que os pais podem explicar:
- como é a rotina da pessoa autista
- quais terapias faz, quais profissionais a acompanham
- o que ela gosta, o que não gosta, gatilhos, formas de comunicação
- como lida com mudanças, o que ajuda e o que atrapalha
- quais são os valores da família em relação à educação, religião, convivência
Esse tipo de documento é extremamente útil para quem assume o cuidado no futuro. É como se os pais deixassem um “manual afetivo e prático” de como cuidar daquela pessoa autista.
2. De onde virá o dinheiro, organizar o patrimônio pensando na pessoa autista.
O segundo eixo do planejamento sucessório é financeiro. Não adianta indicar quem vai cuidar se essa pessoa não tiver condições mínimas de manter moradia, alimentação, terapias e estrutura.
Alguns pontos que podem ser avaliados em cada família.
2.1. Herança organizada para equilibrar cuidado e justiça entre os herdeiros.
Se não houver planejamento, os bens vão seguir as regras gerais de sucessão do Código Civil. Em famílias com mais de um filho, isso pode:
- gerar divisão igual de bens, ignorando que um dos filhos precisa de apoio maior
- levar à venda de imóveis que eram a base de estabilidade da pessoa autista, como a casa onde mora
- criar conflitos entre irmãos e parentes
Com o planejamento sucessório, os pais podem:
- usar o testamento para, dentro dos limites da lei, destinar parte dos bens de forma mais estratégica
- pensar em imóveis ou aplicações que gerem renda contínua em favor da pessoa autista
- definir quem será responsável por administrar aquela parte do patrimônio, em benefício do filho que necessita de suporte
2.2. Doação em vida com cláusulas de proteção
Em alguns casos, é possível fazer doações em vida com:
- reserva de usufruto, os pais doam, mas continuam usando o bem até a morte
- cláusulas como inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, que servem para:
- dificultar que o bem seja vendido
- proteger contra dívidas de terceiros
- impedir que o bem entre em divisão de patrimônio em casamento ou união estável de outra pessoa
Na prática, os pais podem, por exemplo, proteger um imóvel importante para a moradia da pessoa autista ou uma fonte de renda.
2.3. Fontes de renda contínua
Outra frente do planejamento é pensar em renda contínua para o futuro, como:
- imóveis para aluguel
- investimentos que gerem rendimentos
- previdência privada
- seguro de vida com beneficiário ligado ao filho autista ou administrado por pessoa de confiança
Aqui sempre é importante lembrar que a família deve buscar orientação financeira e jurídica, para que esse planejamento seja compatível com a realidade, com o perfil de risco e, principalmente, com a proteção da pessoa autista.
3. Atenção aos direitos assistenciais e previdenciários, impacto em BPC e outros benefícios
Aqui está um ponto em que o olhar de uma advocacia focada em saúde, previdenciário e direitos dos autistas faz toda a diferença.
Receber herança, imóvel ou valores mais elevados pode impactar diretamente:
- o BPC/LOAS, um benefício assistencial ligado à renda e à condição de deficiência
- outros programas de assistência social
- eventual acesso a benefícios que considerem renda familiar per capita
A família precisa entender que:
- o aumento de patrimônio ou renda pode levar à revisão ou cancelamento do BPC
- em alguns casos, o planejamento pode priorizar:
- garantir um patrimônio que traga mais segurança a longo prazo, mesmo com possível perda de benefício
- ou manter o perfil de baixa renda, quando o patrimônio é pequeno e o BPC é essencial para sobrevivência
Não existe resposta única. Cada caso deve ser analisado individualmente, ouvindo a família, avaliando renda, bens, necessidades do autista e realidade futura possível.
O importante é não fazer o planejamento sucessório em “caixinhas separadas”, família pensa a herança, e ninguém olha para o BPC, para benefícios previdenciários ou para o acesso à saúde. Tudo isso está interligado.
4. Principais instrumentos jurídicos usados no planejamento sucessório
De forma bem resumida, alguns instrumentos que costumam aparecer nesse contexto são:
- Testamento.
Serve para organizar a parte disponível da herança, indicar desejos em relação à pessoa autista, reforçar a preocupação com cuidados futuros.
- Doações em vida.
Podem ser usadas para antecipar a transmissão de alguns bens, com ou sem reserva de usufruto.
- Cláusulas de proteção patrimonial.
Inalienabilidade, impenhorabilidade, incomunicabilidade, entre outras, para proteger o patrimônio de dívidas, vendas impulsivas ou confusões patrimoniais.
- Curatela e, em casos específicos, tomada de decisão apoiada.
Servem para apoiar a pessoa autista no exercício de sua capacidade civil, sem retirá-la por completo, conforme as diretrizes da Lei n. 13.146/2015.
- Carta de intenções da família.
Documento mais livre, em que os pais registram rotinas, preferências, contatos importantes, valores da família e orientações de cuidado.
- Instrumentos previdenciários e securitários.
Previdência privada, seguros de vida, pensões, que podem ser pensados em benefício da pessoa autista.
Cada família tem uma história, uma situação financeira e um contexto afetivo. Por isso, o planejamento sucessório nunca é “copiar e colar”, é sempre feito sob medida.
5. Como começar, na prática, o planejamento sucessório em família com pessoa autista:
Se você é mãe, pai ou familiar de pessoa autista e quer dar o primeiro passo, algumas ações simples podem ajudar muito.
a. Organize documentos
- laudos médicos atualizados
- relatórios de terapias
- contratos de planos de saúde
b. Converse em família
- quem teria condições emocionais e práticas de assumir o cuidado no futuro
- quem já tem proximidade com a pessoa autista
- qual é a estrutura de apoio possível, avós, tios, irmãos
c. Liste os gastos essenciais da pessoa autista
- terapias, transporte, medicamentos, plano de saúde
- escola ou serviços de apoio
- alimentação, moradia e outros cuidados
d. Busque orientação jurídica especializada
- para analisar o impacto em direitos assistenciais e previdenciários
- para desenhar, junto com profissional de família e sucessões se necessário, o conjunto de instrumentos mais adequados para a sua realidade
6. O papel da advocacia especializada em direitos das pessoas autistas
Um planejamento sucessório bem feito em família com pessoa autista precisa:
- conhecer a Lei n. 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista
- considerar o Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n.13.146/2015
- dialogar com o Direito Previdenciário, avaliando impactos em benefícios
- olhar para o Direito da Saúde, se há judicializações, planos de saúde, medicamentos ou terapias custeadas por decisão judicial
O papel da advogada ou do advogado é:
- ouvir a história da família
- mapear vulnerabilidades e potencialidades
- orientar de forma clara, sem juridiquês
- construir um plano possível, que traga mais tranquilidade e segurança para o futuro
Conclusão: planejar é um ato de amor com responsabilidade
Planejamento sucessório para famílias de pessoas autistas não é apenas uma questão patrimonial. É um ato de amor, de responsabilidade e de coragem.
É reconhecer que a vida é finita, mas que o cuidado com quem amamos pode ser organizado para ir além da nossa presença física.
Se você sentiu aquele aperto no peito enquanto lia este artigo, talvez este seja o momento de começar a planejar, mesmo que aos poucos, com calma, um passo de cada vez.
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Se você é mãe, pai ou familiar de pessoa autista e quer entender como o planejamento sucessório pode funcionar no seu caso, com olhar atento aos direitos assistenciais, previdenciários e de saúde, posso te ajudar.
Entre em contato para agendarmos uma consulta individual e analisarmos a sua situação com cuidado e sigilo profissional.
Atendimento em Itajaí/SC e em todo o Brasil | Especialista em Direito Previdenciário, da Saúde e Direitos dos Autistas
Mãe atípica na defesa dos autistas. 💙