06 Dec
06Dec

1. Educação inclusiva, escola regular como regra e não exceção

A Constituição Federal garante a educação como direito de todos e dever do Estado e da família (art. 205) e estabelece que o poder público deve assegurar atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208, III).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei n. 9.394/1996) reforça essa lógica: a educação especial é uma modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino (art. 58), com serviços de apoio especializado na escola regular quando necessário (art. 58, §1º).

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI, Lei  n.13.146/2015), por sua vez, é muito clara: a pessoa com deficiência tem direito a um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, com aprendizado ao longo da vida, sem exclusão do ensino regular em razão da deficiência.

Em 2020, o STF suspendeu e depois declarou inconstitucional o Decreto 10.502/2020, que abria espaço para a criação de escolas e classes especiais como política pública central. O Tribunal entendeu que essa norma fragilizava o modelo de educação inclusiva e podia incentivar segregação de estudantes com deficiência.

Em 2025, o governo federal instituiu uma nova Política Nacional de Educação Especial na perspectiva inclusiva, por meio do Decreto 12.686/2025, reforçando que o Atendimento Educacional Especializado (AEE) é complementar à escolarização em classe comum, e não substituto, devendo estar integrado ao projeto pedagógico da escola.

Em resumo:

A regra hoje é educação inclusiva na escola regular, com apoio adequado, e não separação em classes ou escolas especiais como solução padrão.


2. A criança autista como pessoa com deficiência e o direito à escola regular

A Lei n. 12.764/2012 (Lei Berenice Piana) reconhece a pessoa com Transtorno do Espectro Autista como pessoa com deficiência para todos os efeitos legais.

Isso significa que a criança autista:

  • tem direito de acesso à educação e ao ensino profissionalizante, como qualquer outra pessoa
  • deve ser incluída nas políticas de educação inclusiva previstas na LBI
  • deve ter garantido o direito de conviver em escola regular, pública ou privada.

A LBI proíbe que instituições privadas de ensino cobrem valores adicionais de qualquer natureza em mensalidades, anuidades e matrículas de alunos com deficiência, incluindo alunos autistas, justamente porque a acessibilidade e os apoios necessários fazem parte do dever da escola, e não de um “serviço extra”.

A recusa de matrícula ou a expulsão velada (quando a escola “empurra” a família a sair com ameaças, constrangimentos ou justificativas vagas) por causa do autismo é forma de discriminação, vedada pela Lei n. 12.764/2012 e pela LBI.


3. Apoio adequado, AEE e acompanhante especializado / mediador

Educação inclusiva não é só “permitir que a criança esteja na sala”. É garantir apoios concretos.

3.1. Atendimento Educacional Especializado (AEE)

O AEE é uma atividade pedagógica que complementa ou suplementa a escolarização da criança com deficiência, incluindo autistas. Ele:

  • não substitui a sala de aula comum
  • ocorre geralmente em turno oposto ao da escolarização
  • deve ser planejado com base nas necessidades do estudante, podendo envolver recursos de comunicação, tecnologia assistiva, organização de rotina, entre outros.

O Decreto 12.686/2025 reforça que o AEE deve estar integrado ao projeto político-pedagógico da escola, com participação da família e do próprio estudante, e que a matrícula no AEE não substitui a matrícula na classe comum.

3.2. Profissional de apoio / acompanhante especializado

A Lei n. 12.764/2012, regulamentada pelo Decreto 8.368/2014, e a interpretação combinada com a LBI e a LDB têm sido utilizadas para garantir, na prática, o direito da criança autista a um acompanhante especializado / profissional de apoio escolar, quando comprovada a necessidade.

Esse profissional pode ser chamado de:

  • acompanhante terapêutico
  • mediador escolar
  • profissional de apoio escolar
  • acompanhante especializado

Independentemente do nome, a função é:

  • ajudar na organização da rotina
  • mediar interações sociais
  • facilitar a comunicação com professores e colegas
  • apoiar a autorregulação emocional e a participação nas atividades pedagógicas.

Quando laudos e relatórios apontam a necessidade de apoio individualizado, a negativa da escola em fornecer esse profissional pode ser questionada administrativamente e, se necessário, judicialmente.


4. Adaptações razoáveis, PEI e flexibilização pedagógica

A LDB, em seu art. 59, determina que os sistemas de ensino assegurem aos educandos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento (categoria que historicamente abarca o TEA):

  • currículos, métodos, técnicas e recursos educativos adequados
  • organização específica para atender às suas necessidades
  • terminalidade específica quando necessário, sem impedir a continuidade de estudos
  • professores com especialização adequada e formação continuada

Na prática, isso significa que a escola deve:

  • adaptar a forma de apresentar conteúdos (mais visual, mais concreto, uso de pistas visuais)
  • ajustar atividades e avaliações, sem esvaziar o conteúdo essencial
  • prever Plano Educacional Individualizado (PEI) ou documento equivalente, descrevendo objetivos, estratégias, apoios e formas de avaliação para aquela criança autista
  • evitar punições disciplinares por comportamentos que decorrem diretamente do TEA, buscando estratégias pedagógicas em vez de mera repreensão.

Essas adaptações são chamadas de adaptações razoáveis, conceito previsto na LBI, que obriga escolas a ajustar o ambiente e as práticas para garantir a inclusão, sem impor ônus desproporcional ou indevido.


5. O que a escola não pode fazer com a criança autista

Algumas condutas são claramente incompatíveis com a legislação de inclusão:

  • Recusar matrícula com justificativas como “não estamos preparados” ou “não temos estrutura para autismo”
  • Condicionar a matrícula à contratação, pela família, de profissional particular de apoio
  • Cobrar valores adicionais de mensalidade, matrícula ou material por causa do autismo
  • Exigir que a família retire a criança em caso de crise, como se isso fosse solução permanente
  • Isolar o aluno em sala separada sem justificativa pedagógica e sem previsão em PEI ou plano educacional
  • Responsabilizar exclusivamente a família por dificuldades de adaptação, sem rever práticas da escola.

Essas práticas podem caracterizar discriminação e dar margem a atuação de Ministério Público, Defensoria Pública e ações judiciais de responsabilização.


6. Caminhos práticos para a família quando a escola não cumpre

Quando a escola (pública ou privada) não garante educação inclusiva adequada para a criança autista, a família pode:

  1. Organizar documentos
    • laudos e relatórios multiprofissionais
    • histórico de atendimentos
    • registros de episódios de recusa de matrícula, expulsão velada, ausência de apoio ou falas discriminatórias.
  2. Formalizar as demandas à escola
    • enviar e-mail, carta ou requerimento formal pedindo:
      • adaptações razoáveis
      • elaboração ou revisão do PEI
      • disponibilização de profissional de apoio / acompanhante, quando indicado em laudos
    • manter cópia de tudo o que foi enviado e recebido.
  3. Buscar diálogo com a direção e a mantenedora
    • solicitar reunião com coordenação, direção e, se for o caso, mantenedora da rede privada
    • registrar em ata ou e-mail os pontos discutidos e os compromissos assumidos.
  4. Acionar a rede de proteção
    • Secretaria Municipal ou Estadual de Educação, quando houver descumprimento de normas de educação inclusiva
    • Conselho Tutelar, em casos de risco à continuidade dos estudos
    • Ministério Público e Defensoria Pública, em situações de discriminação mais grave ou persistente.
  5. Avaliar medidas judiciais
    • quando a via administrativa não resolve, é possível buscar o Judiciário para:
      • garantir matrícula
      • obrigar a oferta de apoio adequado (AEE, profissional de apoio, adaptações)
      • pedir indenização por danos morais em casos de discriminação grave.

Conclusão, educação inclusiva é direito, não favor

A criança autista tem direito à escola regular, à convivência com outras crianças e ao apoio adequado, com base na Constituição, na LDB, na Lei Berenice Piana e na Lei Brasileira de Inclusão.

Educação inclusiva não é “boa vontade” da escola, é obrigação legal.

O papel da família é importante para:

  • registrar necessidades da criança
  • dialogar com a escola
  • buscar apoio quando a escola não cumpre o que a lei determina.

Quando família, escola e rede de proteção caminham juntas, a inclusão deixa de ser um discurso bonito e vira realidade no dia a dia da criança autista.


Fale comigo

Se você é mãe, pai ou responsável por criança autista e está enfrentando problemas com escola regular, falta de apoio, negativa de matrícula ou inclusão “de fachada”, posso te ajudar a analisar o caso com base na legislação de educação inclusiva e direitos da pessoa com deficiência.

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Atendimento em Itajaí/SC e em todo o Brasil | Especialista em Direito Previdenciário, da Saúde e Direitos dos Autistas

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