06 Dec
06Dec

Introdução

Viver em condomínio significa dividir espaços, barulhos, regras e, muitas vezes, conflitos. Quando há uma pessoa autista na família, especialmente criança, essas questões ficam ainda mais sensíveis.

De um lado, existe o direito ao sossego dos demais moradores.

De outro, existem o direito à inclusão, à moradia e à não discriminação da pessoa com deficiência, que inclui a pessoa com Transtorno do Espectro Autista.

No Brasil, a pessoa autista é reconhecida como pessoa com deficiência pela Lei n. 12.764/2012. Já a Lei n. 13.146/2015, Estatuto da Pessoa com Deficiência, garante igualdade de oportunidades e proíbe toda forma de discriminação, inclusive em condomínios. Ao mesmo tempo, o Código Civil determina que cada condômino deve usar sua unidade sem prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos vizinhos.

O desafio é equilibrar esses direitos sem transformar a pessoa autista e sua família em alvo de perseguição.


1. Base legal dos direitos da pessoa autista no condomínio

Alguns pilares jurídicos importantes aqui:

  • Lei n.12.764/2012, Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA
    Reconhece o autista como pessoa com deficiência para todos os efeitos legais e garante, entre outros direitos, dignidade, moradia, convivência familiar e comunitária, inclusão social e proteção contra abuso e discriminação.
  • Lei n.13.146/2015, Estatuto da Pessoa com Deficiência
    Assegura o direito à igualdade, à não discriminação, à acessibilidade e à moradia em ambiente inclusivo. Proíbe que a pessoa com deficiência seja privada de qualquer direito por causa da deficiência.
  • Legislação de acessibilidade
    Leis e decretos sobre acessibilidade determinam que edificações de uso coletivo, como condomínios, adotem medidas para garantir o direito de ir e vir de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.
  • Código Civil
    Prevê que o condômino deve usar sua unidade de forma a não prejudicar sossego, segurança e saúde dos demais, mas não autoriza discriminação de pessoas com deficiência.

Em resumo, o condomínio também está sujeito à legislação de inclusão e direitos da pessoa com deficiência. Não é um “território à parte”.


2. Barulho, lei do silêncio e manifestações do autismo

Quase todo regulamento interno fala em “lei do silêncio”, horários de descanso e multas por perturbação do sossego. O problema é quando o barulho está ligado a manifestações típicas do autismo, como:

  • crises sensoriais
  • choro intenso
  • gritos
  • estereotipias vocais

Isso não pode ser tratado como se fosse festa, som alto ou desrespeito deliberado às regras.

A interpretação mais atual tem caminhado no sentido de entender que:

  • certos sons e comportamentos são manifestações da condição da pessoa autista
  • antes de multar, ameaçar ou constranger, o condomínio deve buscar diálogo e compreensão
  • atitudes repetidas de cobrança agressiva, humilhação e multas desproporcionais podem caracterizar discriminação

Isso não significa que qualquer excesso é automaticamente aceitável, mas que o condomínio deve analisar o contexto. Em vez de partir direto para a punição, é mais adequado:

  • ouvir a família
  • entender o que está acontecendo
  • avaliar se há possibilidade de ajustes de rotina, proteção acústica, mediação de conflitos
  • orientar outros moradores sobre autismo e respeito à família atípica

3. Convivência e uso das áreas comuns

Outra fonte de conflito são as áreas comuns, como:

  • playground
  • piscina
  • salão de festas
  • corredores e elevadores

O condomínio não pode:

  • proibir que criança ou adulto autista use as áreas comuns
  • criar regras específicas para impedir a circulação da pessoa autista
  • orientar, formal ou informalmente, que a família “evite levar o filho” em festas, eventos ou áreas de lazer
  • expor a família em comunicados ou grupos de WhatsApp de forma humilhante

Medidas assim violam o Estatuto da Pessoa com Deficiência e a legislação específica sobre o TEA. A regra, aqui, é inclusão, e não afastamento.

Por outro lado, o condomínio deve:

  • coibir condutas discriminatórias de outros moradores
  • buscar orientação quando não souber lidar com situações novas
  • lembrar que crianças, com ou sem deficiência, fazem barulho, brincam e ocupam os espaços comuns

4. Acessibilidade, rotas e adaptações razoáveis

Muitas pessoas autistas também têm outras condições associadas, como:

  • hipersensibilidade sensorial
  • dificuldades motoras
  • epilepsia
  • dificuldades de orientação espacial

Por isso, normas de acessibilidade em condomínios também são relevantes para famílias autistas.

Em linhas gerais, o condomínio deve:

  • garantir uma rota acessível entre entrada, elevadores e áreas comuns
  • adequar reformas e obras às normas de acessibilidade
  • facilitar o acesso da pessoa autista e de seu acompanhante, quando necessário

Adaptações razoáveis podem ser, por exemplo:

  • permitir que a pessoa autista esteja sempre acompanhada em áreas comuns, mesmo quando a regra seja mais rígida para outras crianças
  • ajustar pequenas regras de circulação quando houver risco de desorientação ou fuga
  • cuidar de iluminação e barulho excessivo em assembleias e eventos internos, quando isso for um gatilho importante para crises

5. Assembleias e participação da pessoa autista e da família

Quanto às assembleias:

  • pessoa autista adulta, com capacidade preservada, pode participar normalmente como condômina
  • se for menor de idade, quem representa é o responsável legal
  • se houver curatela, é preciso observar a sentença, mas sempre com respeito à dignidade da pessoa com deficiência

É recomendável que o condomínio:

  • envie convocações claras e com antecedência
  • permita representação por procuração, quando previsto na convenção
  • mantenha um ambiente minimamente organizado, sem tumultos desnecessários
  • aceite a presença de acompanhante para apoiar a pessoa autista, se ela quiser participar

O que não pode é:

  • proibir a presença de autistas em assembleias
  • deslegitimar a fala de alguém por ser autista
  • criar regras internas que, na prática, afastem a família da tomada de decisão.

6. O que o condomínio pode e não pode fazer

Resumindo

O condomínio NÃO PODE:

  • aplicar multa automática por barulho sem analisar se há relação com o autismo
  • pressionar a família para se mudar “porque o filho faz barulho”
  • impedir o uso das áreas comuns por motivo de deficiência
  • expor a família em comunicados agressivos ou humilhantes

O condomínio PODE e DEVE:

  • mediar conflitos por meio de diálogo
  • buscar informação sobre autismo e inclusão
  • ajustar seu regulamento interno para coibir discriminação
  • apoiar adaptações razoáveis e medidas de acessibilidade

7. O que a família de pessoa autista pode fazer em caso de abuso

Se a família estiver sendo alvo de perseguição, multas abusivas ou humilhações por causa do autismo, alguns passos são importantes:

A. Guardar provas

Mensagens, comunicados, atas, advertências, áudios, tudo pode ser útil.

B. Responder por escrito ao condomínio

Explicar a situação, anexar laudo ou relatório, mencionar de forma respeitosa a legislação de proteção à pessoa com deficiência.

C. Buscar orientação jurídica

Dependendo do caso, é possível pedir judicialmente:

  • que o condomínio pare com práticas discriminatórias
  • que multas sejam anuladas
  • e, em situações mais graves, indenização por danos morais.

D. Procurar órgãos de proteção

Ministério Público, Defensoria Pública e conselhos de direitos da pessoa com deficiência podem atuar em casos de discriminação mais evidente.


Conclusão, condomínio não é lugar para excluir famílias atípicas

A pessoa autista tem direito de morar, circular e conviver em condomínios como qualquer outra pessoa.

O condomínio não pode transformar o autismo em motivo para expulsar, multar de forma abusiva ou humilhar famílias.

É possível equilibrar o direito ao sossego com o direito à inclusão, desde que haja informação, empatia e respeito à legislação. Quando síndico e moradores entendem isso, o condomínio deixa de ser um espaço de conflito permanente e se torna, de fato, um lugar de convivência.


Fale comigo

Se você é mãe, pai ou familiar de pessoa autista e está enfrentando problemas em condomínio por causa de barulho, convivência ou assembleias, posso te ajudar a analisar o caso com base na legislação de pessoas com deficiência e direitos de vizinhança.

📩 Entre em contato para agendarmos uma consulta individual e traçarmos, juntas, a melhor estratégia para proteger você e seu filho.

Atendimento em Itajaí/SC e em todo o Brasil | Especialista em Direito Previdenciário, da Saúde e Direitos dos Autistas

Mãe atípica na defesa dos autistas. 💙

Comentários
* O e-mail não será publicado no site.